domingo, 27 de maio de 2012

Dialética



Conta-nos a história que o inventor da dialética foi Zenão de Eleia, que produzia argumentos com base na oposição das teses levantadas por seus adversários com o intuito de refutar a noção de movimento, mostrando, assim, que seu mestre (Parmênides) estava certo ao dizer que o Ser é e o não Ser não é. Mas podemos recuar um pouco mais no tempo, na época de Heráclito, pai do mobilismo, a fim de compreender as origens da dialética.
Segundo o modo de pensar o mundo que concebe que tudo está em transformação, a linguagem (lógos) refere-se à própria phýsis, isto é, o que se diz se diz da natureza. No entanto, o pensamento capta que todos os objetos estão em eterna transformação, o que impede uma identidade conceitual possível de ser absolutamente conhecida. Assim, tudo o que temos são opiniões sobre o mundo e, para não corrermos o risco de errar constantemente, devemos observar cuidadosamente esse processo de devir ou de transformação que pode ser chamado, nesse momento, de a dialética das coisas.
Ora, é justamente aqui que entra, muito tempo depois, o pensamento de Zenão, para quem o movimento é ilusão. Ele sistematiza o que chamamos de dialética justamente para evidenciar a lógica de Parmênides, que privilegia a unicidade e a univocidade do Ser. Toda espécie de juízo, que não o tautológico (A é A), introduz o movimento no pensamento e, portanto, erra-se.
Tempos depois, para solucionar isso, Platão promoveu uma síntese entre os autores do mobilismo e do imobilismo, entendendo que há duas realidades distintas, mas complementares: o mundo sensível e o mundo inteligível. No sensível, por causa de sua variedade e multiplicidade, percebe-se o movimento, que por si só impediria toda predicação. No inteligível, há o problema da comunicação entre as ideias, o que permitiria, como entendia Parmênides, que só juízos tautológicos pudessem ser feitos. Então, para salvaguardar a unidade da inteligência nos discursos que são sensíveis, Platão desenvolveu uma nova forma de dialética, que partia do diálogo entre interlocutores que saem do plano meramente sensível em busca das ideias. Isso significa que o mundo inteligível, como fator extralinguístico, promove o conhecimento dos entes sensíveis, determinando suas formas de existência. O conhecimento puro é ideal, mas ainda que não possamos alcançá-lo absolutamente, não devemos desistir, porque é o ideal que regula o lógos (linguagem).
Aristóteles, discípulo de Platão e inventor do que chamamos de lógica, entende a dialética como um debate de opiniões que ainda são infundadas formalmente, mas que podem ou não resultar em ciência. Ele desenvolveu um instrumento formal capaz de dar conta das relações de mediação entre o que foi dito, para se extrair conclusões adequadas ao conhecimento de objetos. Esse instrumento é o silogismo.
Por muito tempo a dialética foi relegada a um segundo plano, sendo substituída na lógica pela matemática. No entanto, no século XIX, um pensador alemão, Hegel, retomando o pensamento de Heráclito e Platão, conferiu uma nova compreensão sobre dialética. Segundo ele, a dialética ocupa-se da síntese entre situações históricas concretas que visam à superação das oposições estabelecidas por cada povo, em cada época. Assim, um regime político, uma religião, ou qualquer ato humano (cultura em geral) é um distanciamento da natureza, mas que busca sair de si e retornar a si enquanto espírito. Natureza e espírito são a mesma coisa e se desdobram no que chamamos de história da razão. Há um interesse da razão no desenvolvimento de si mesma para concretizar no mundo o seu ideal. O real é racional e o racional é real, diria Hegel, ao estabelecer as noções de tese, antítese e síntese como o próprio movimento do pensamento humano.
Porém, importante mesmo foi a consequência desse pensamento para um outro filósofo alemão: Karl Marx. Conforme esse autor, as contradições nas coisas não dependem de uma razão que transcende nossa realidade, mas são frutos do modo como organizamos nossa produção, isto é, das nossas condições materiais de existência. Significa dizer com Marx que podemos superar as contradições tomando consciência de nossa situação histórica, ou seja, consciência de classe. No ápice de sua síntese, não estaria o Estado teleológico como queria Hegel, Estado esse que interessa à Razão, mas um modo de vida comum que evitaria que contradições surgissem de modo a diferenciar as pessoas segundo classes econômicas.
Dessa forma, o que há de comum entre esses autores é que concebem a dialética como a união entre forma e conteúdo para a compreensão da realidade, evidenciando uma lógica unida a uma ontologia.

0 comentários:

Postar um comentário